SOB INVESTIGAÇÃO
A sede do Banco do Nordeste, em Fortaleza, e o chefe de gabinete do banco, Robério do Vale (à direita).
Três empresas dos cunhados de Vale obtiveram empréstimos suspeitos que
chegaram a cerca de R$ 12 milhões (Foto: Kléber A. Gonçalves/O Povo e
Miguel Porti/Ag. Diário)
Polícia Federal apura o desvio de mais de R$ 100 milhões do Banco do Nordeste
Lembra
o caso dos dólares escondidos na cueca? Uma investigação obtida por
ÉPOCA revela desvio de dinheiro envolvendo o mesmo banco – e o mesmo
partido político
No
auge do escândalo do mensalão, em julho de 2005, nenhum caso chamou
tanta atenção quanto os “dólares na cueca”, que levaram à renúncia de
José Genoino à presidência do Partido dos Trabalhadores. Um assessor
parlamentar do então deputado estadual cearense José Guimarães (PT),
irmão de Genoino, foi detido pela Polícia Federal, no aeroporto de
Congonhas, em São Paulo. Em suas roupas de baixo, havia US$ 100 mil em
espécie. As investigações indicaram na ocasião que o dinheiro era
propina recebida pelo então chefe de gabinete do Banco do Nordeste (BNB)
e ex-dirigente do PT, Kennedy Moura, para acelerar empréstimos no
banco. Passados sete anos, uma auditoria interna do banco e outra da
Controladoria-Geral da União, obtidas por ÉPOCA, revelam um novo esquema
de desvio de dinheiro. Somente a empresa dos cunhados do atual chefe de
gabinete, Robério Gress do Vale, recebeu quase R$ 12 milhões. Sucessor
de Kennedy, Vale foi o quarto maior doador como pessoa física para a
campanha de 2010 do hoje deputado federal José Guimarães.
O
poder de Guimarães sobre o BNB pode ser medido a partir da lista dos
doadores de sua bem-sucedida campanha ao segundo mandato, dois anos
atrás. A maior doação de pessoa física é dele próprio. A segunda é de
José Alencar Sydrião Júnior, diretor do BNB e filiado ao PT. A terceira é
do também petista Roberto Smith, presidente do banco no período em que
ocorreram operações fraudulentas e hoje presidente da Agência de
Desenvolvimento do Estado do Ceará, nomeado pelo governador Cid Gomes
(PSB). O atual presidente do BNB, Jurandir Vieira Santiago, vem em 11º.
Eleito para a Câmara Federal pela primeira vez em 2006, com a maior
votação do Ceará, Guimarães ganhou poder na Câmara. Tornou-se vice-líder
do governo e passou a ser amplamente reconhecido como o homem que
indicava a diretoria no Banco do Nordeste. No disputado campo de batalha
da política nordestina, o BNB é território de José Guimarães.
O
novo esquema de desvios e fraudes no banco nordestino segue um padrão
já estabelecido na longa e rica história da corrupção brasileira: o uso
de laranjas ou notas fiscais frias para justificar empréstimos ou
financiamentos tomados no banco. Assim como na dança de dinheiro dos
tempos do mensalão, as suspeitas envolvem integrantes do PT. Um
levantamento feito por ÉPOCA mostra que, entre os nomes envolvidos nas
investigações da CGU e da Polícia Federal, há pelo menos dez filiados ao
PT. Apresentado ao levantamento e aos documentos, o promotor do caso,
Ricardo Rocha, foi enfático ao afirmar que vê grandes indícios de um
esquema de caixa dois para campanhas eleitorais. “O número de filiados
do PT envolvidos dá indícios de ação orquestrada para arrecadar
recursos”, afirma Rocha.
A
maioria das operações fraudulentas ocorreu entre o final de 2009 e o
início de 2011. Somados, os valores dos financiamentos chegam a R$ 100
milhões, e a dívida com o banco a R$ 125 milhões. Só a MP
Empreendimentos, a Destak Empreendimentos e a Destak Incorporadora
conseguiram financiamentos na ordem de R$ 11,9 milhões. Elas pertencem
aos irmãos da mulher de Robério do Vale, Marcelo e Felipe Rocha Parente.
Segundo a auditoria do próprio banco, as três empresas fazem parte de
uma lista de 24 que obtiveram empréstimos do BNB com notas fiscais
falsas, usando laranjas ou fraudando assinaturas. As empresas foram
identificadas após a denúncia feita por Fred Elias de Souza, um dos
gerentes de negócios do Banco do Nordeste. Ele soube do esquema na
agência em que trabalhava, a Fortaleza-Centro, e decidiu procurar o
Ministério Público, em setembro do ano passado. “Sou funcionário do
banco há 28 anos. Quando soube do que estava acontecendo, achei que
tinha o dever de avisar o MP”, diz. O promotor Rocha, depois de tomar
conhecimento do teor e da gravidade das denúncias de Souza, chamou
representantes do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da
Controladoria-Geral da União para acompanhar o depoimento
Em
um dos casos, fica evidente o aparelhamento político do banco por
membros do PT. Souza denunciou a existência de um esquema chefiado pelo
empresário José Juacy da Cunha Pinto Filho, dono de seis empresas que
obtiveram mais de R$ 38 milhões do Banco do Nordeste, em recursos do
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), entre 2010 e
2011. Para conseguir financiamentos para compras de máquinas e veículos,
foram apresentadas notas fiscais falsas, segundo o Relatório da CGU.
Tudo era feito com a conivência de funcionários das agências bancárias e
de avaliadores do banco. No caso da empresa Flexcar Comércio e Locação
de Veículos, o então gerente de negócios da Agência BNB
Fortaleza-Centro, Gean Carlos Alves, afirmou em laudo ter visto os 103
carros financiados pelo banco. Fred de Souza afirmou em depoimento que
uma fiscalização identificou apenas 33. Segundo a investigação, Alves
alterou os registros referentes aos gravames (documentos de garantia da
dívida) dos veículos para liberar quase R$ 3 milhões para a Flexcar,
aceitou notas fiscais falsas e falsificou o e-mail de um colega. Segundo
o depoimento de Fred de Souza, Alves liberou R$ 11,57 milhões para três
empresas de Pinto Filho usando uma senha dada pelo controle interno do
banco e pela Gerência-Geral da agência. A gerência é ocupada por Manoel
Neto da Silva, filiado ao Partido dos Trabalhadores.
Outras
duas empresas de Pinto Filho obtiveram empréstimos em outra agência de
Fortaleza, a Bezerra de Menezes, cujo gerente-geral é José Ricáscio
Mendes de Sousa, também filiado ao PT. Segundo o depoimento de Souza,
foi Mendes de Sousa quem atraiu Pinto Filho para realizar negócios com o
banco. A sexta empresa de Pinto Filho envolvida no esquema, segundo as
auditorias, é a JPFC Empreendimentos, que apresentou notas falsificadas
para justificar um empréstimo de R$ 2,9 milhões. As notas foram
assinadas por Antônio Martins da Silva Filho, filiado ao PT de Limoeiro
do Norte, cidade cearense de onde chegaram à PF outras denúncias
envolvendo o BNB, em dezembro último.
A
investigação da polícia está sob segredo de Justiça, mas ÉPOCA obteve
com exclusividade o depoimento de José Edgar do Rêgo, funcionário do
banco há 32 anos. Desde março de 2010, Rêgo é gerente de negócios do
Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (Pronaf),
coordenado pelo banco, em Limoeiro. Ele delatou um esquema, investigado
pela PF, em que os beneficiados pelas linhas de crédito do banco não
eram agricultores, mas motoqueiros, frentistas, professores municipais e
taxistas. Tudo ocorreu em 2010
Os
projetos aprovados pelo banco eram apresentados por dois sindicalistas:
Sidcley Almeida de Sousa e Francisco César Gondim. Ambos são filiados
ao PT da cidade de Tabuleiro. Em suas visitas ao BNB de Limoeiro, eles
eram sempre acompanhados pelo vice-prefeito de Tabuleiro, Marcondes
Moreira, também do PT. Apesar das irregularidades na identificação dos
beneficiados, os projetos eram aprovados. Entre os citados por Rêgo como
envolvidos na aprovação dos projetos ainda estavam outros dois filiados
ao PT: Ariosmar Barros Maia, da cooperativa técnica de assessoria e
projetos, e Samuel Victor de Macena, que avaliou em R$ 180 mil imóveis
cujo valor, medido pelo banco, não passam de R$ 53 mil. Os imóveis foram
colocados como garantia dos empréstimos.
No
meio de seu depoimento à Polícia Federal, foi questionado sobre a
empresa Emiliano Turismo, investigada pela PF. Disse que “era de
conhecimento público em Tabuleiro que a empresa Emiliano Turismo
trabalhava como cabo eleitoral para os então candidatos a deputado
estadual e federal Dedé Teixeira e (José) Guimarães, ambos do Partido dos Trabalhadores”. O deputado Guimarães nega qualquer tipo de relação com a Emiliano.
Rêgo
disse ainda que a Emiliano Turismo montava projetos para ser aprovados
pelo Pronaf. Ele afirma ter detectado falsificações em assinaturas do
projetista José Ivonildo Raulino, em projetos apresentados pela empresa.
Alguns deles foram aprovados pelo gerente-geral da agência, José
Francisco Marçal de Cerqueira. Devido ao grande número de projetos do
Pronaf na agência de Limoeiro, Marçal determinou que funcionários
trabalhassem nos fins de semana. Alguns contratados passaram a ter a
senha de Rêgo, gerente de negócios do Pronaf, para liberar os recursos
quando ele não estivesse presente. Um deles era Otávio Nunes de Castro
Filho, filiado ao PT. Ainda segundo o depoimento de Rêgo, Marçal
autorizava e Isidro Moraes de Siqueira, então superintendente do banco e
atual diretor de Controle e Risco, tinha conhecimento do que ocorria.
Siqueira afirma que, informado das irregularidades, acionou a auditoria
interna do banco. O maior responsável no banco pelos recursos do Pronaf é
outro petista, indicado pelo deputado Guimarães: José Alencar Sydrião
Júnior, diretor de Gestão do Desenvolvimento do banco, setor responsável
pela liberação dos recursos do programa, e segundo maior doador da
campanha de Guimarães.
O
Ministério Público, Federal ou Estadual, ainda não recebeu o relatório
da CGU nem a auditoria interna do BNB. A quebra de sigilos bancários dos
envolvidos tampouco foi autorizada pela Justiça. Uma discussão judicial
quanto à competência das esferas estadual ou federal para apurar as
denúncias também postergou os trabalhos de investigação. Após várias
idas e vindas, atualmente o processo está nas mãos do promotor do MPE
Ricardo Rocha.
O
atual presidente do BNB, Jurandir Vieira Santiago, assumiu o cargo em
junho de 2011. Sua última administração também é alvo de uma
investigação, que no Ceará ganhou o nome de “escândalos dos banheiros”.
Até assumir a presidência do banco, no meio do ano passado, Jurandir era
secretário das Cidades do Estado. O TCE investiga um esquema de
superfaturamento na construção de banheiros em comunidades carentes no
interior do Ceará. Alguns envolvidos já foram intimados a devolver R$
164 mil aos cofres públicos.
O
deputado Guimarães nega ter conhecimento das irregularidades e repudia
qualquer envolvimento de seu nome relacionado a desvios de recursos no
Banco do Nordeste. Ele diz que o ex-presidente Roberto Smith foi
indicado pelo PT do Ceará com sua anuência. O comando do BNB diz nunca
ter sido omisso quanto às irregularidades e que vários dos envolvidos
foram demitidos. Robério do Vale, chefe de gabinete, afirma que sua
função não interfere no processo de concessão de crédito. Ele diz que o
banco deve apurar as irregularidades e punir os responsáveis. O
ex-presidente do banco Roberto Smith diz não ter tomado conhecimento do
relatório da CGU nem das conclusões da auditoria interna, por estar fora
do banco desde 2011. Afirma que, no final de seu mandato, recebeu
denúncia de desvios de crédito e encaminhou para a auditoria.
O
promotor Rocha pediu ao banco que providenciasse segurança a Fred de
Souza, autor da maior parte das denúncias. Souza recusou. Desde então,
escapou de um tiro na rua e foi perseguido por motos duas vezes. Souza
foi transferido de horário e função. Hoje, trabalha da meia-noite às 7
horas, avaliando o trabalho de atendentes do Serviço de Atendimento ao
Cliente do banco. Ali, até o momento, não identificou nenhuma
irregularidade.
Leia também:
O BANCO DO NORDESTE NA ELEIÇÃO DE SÁVIO PONTES
Nenhum comentário:
Postar um comentário