* O SENDEIRO - MEMÓRIAS DO CÁRCERE.

“Meus olhos já precipitaram mais lágrimas que as águas torrenciais quando das enchentes da Bica. Por sobre a face de minha cara redonda de tacho, deságua prantos de medo em maior volume que as águas que escorrem pelo leito dos rios Jatobá e Acaraú. Afligi-me a alma uma ansiedade com as dimensões do açude Araras. Milton Pereira já abrira o sangradouro do açude Macaco temendo o rompimento da barragem. São lágrimas diluvianas, sim! Mas NÃO de arrependimento, - Pois faria tudo novamente caso a Justiça e o povo deixasse. O que me apavora são os 7m² de uma cela fria, e o blecaute das luzes dos meus dias de Rei que tão bem vivi; se apagando e sendo tomado pelas sombras da justiça triunfando sobre meu mandato.

Já vejo transpassando pelas pequenas rotulas de vidro e ferro no alto da cela, os últimos fachos de luz que ainda lutam lentamente contra as sombras do anoitecer que vão vestido-me do luto negro da noite. Quem há de servir-me algumas doses de MACALLAN FINE AND RARE 1926?... Sentir o buquê de seu Malte e tirar o gosto com os beijos com sabor de Sushi da Piné, que a esta altura já deve ter virado “COMUNISTA”. Será que já lera O CAPITAL de Karl Marx? Será que entendera os ideais da Intentona Comunista? Enquanto isto, minha alma CAPITALISTA sente um frio Siberiano, causando-me uma hipotermia que deixa-me a calvície vermelha de ciúmes. Vermelha tal a bandeira Leninista com sua foice mortal, símbolo das ex-republicas socialistas soviéticas, cravada no meu peito que sangrar uma solidão maior que as milhas de distancia que separam o Brasil da Rússia. Estes 7m² não comportam o gosto indigesto de peixe cru que tem a traição. Onde será que anda a Piné?... Com certeza deve estar tomando aulas de delicadeza, de civilidade, de boa-educação, de boas maneiras, de amabilidade para nivelar-se a altura da “REPENTINA” “fidalguia” dos Rufinos. Sinto um calor na fronte, nos chavelhos, nos córneos, o que será?... Bobagem, também sou infiel e leviano até comigo mesmo. Reconheço que sou ordinário. Não perco sono a calcular as inconseqüências de meus atos. 

Agora as trevas da noite venceram em definitivo o clarão do dia. Tenho medo! Acho que os advogados celestiais de Maman Margarida, não impetraram um contrito Habeas Corpus preventivo a Deus, ou ele não acatara. Será que suas preces só chegam até o telhado de sua casa?... Por diabos como meu céu azul se tornara hostil! E este ineficiente Gardenal que não faz efeito!... Tenho que alimentar meu espírito pensando prazerosamente na fortuna que amealhei do povo. Ouço agora um alarido, um coro de vozes lá fora chamando-me de ladrão, mas como ladrão?! Sou o único FICHA LIMPA DO IPU. Tentarei desvencilhar meus ouvidos destas vozes insolentes. Resistirei bravamente ao meu tumulto interior que já me consome a paciência, paralisando-me o raciocínio lógico, retesando meus nervos e músculos como um arco pronto a disparar a incontrolável síndrome do pânico. Fixo involuntário e irresistivelmente o olhar para um pequeno ponto luminoso na laje do cárcere que resplandece de um seio feminino desnudo e oferecido. Nu e ordinário como a suprema tentação de roubar. Concentro-me profundamente para permanecer em sintonia com esta imagem imaterial e sedutora; quase palpável; da cor do barro das ânforas lá da Alegria que as artesãs ateiam no forno. Vem-me a lembrança intima envolta com as memórias suaves de um longo e breve passado. Irremediavelmente perdi o senso do que é real e o que é fantasia, pois agora sou envolvido por uma presença feminina. Ardente como as chamas do INFERNO. Sinto seu hálito quente, percebo seus seios tesos e incestuosos se aproximando, se oferecendo, e não tenho como reprimir o calor e o clamor humano da carne. Ela, a miragem é a tentação, eu o tentado. Vou tocá-la e a possuirei no chão frio da carceragem da Policia Federal. 

“Socorro! Socorro! Valei-me as almas das mulheres que morreram de eclampsia no leito do hospital por falta de médicos obstetra. Valei-me a alma das pobres mulheres que deixei morrer de AIDS pelos desvios de verba do hospital municipal. Piedade por misericórdia! Estou sendo atacado por ZENUNIM o demônio FEMININO protetora das prostitutas e cortesã que impiedosamente castiga-me. Socorro Frei Aquino, Ubiratan Cajão, Dicu da Várzea, Mãe Diná, até Dr. Luiz com um ansiolítico serve-me. Socorro Maria do Socorro!”

E esta fora a primeira vez em que houvera a necessidade de fazer um EXORCISMO na carceragem da Policia Federal.