Em Ipu, região Norte do Estado, a polêmica envolvendo convênio para construção de kits sanitários assume proporções ainda maiores do que as que vinham sendo noticiadas nas últimas semanas pelo O POVO. É de mais de R$ 3 milhões o convênio entre a Secretaria das Cidades e a Prefeitura, em 2009, dos quais já foram repassados R$ 2,9 milhões. Para realizar o serviço, a Prefeitura de Ipu realizou licitação, na qual saiu vencedora a empresa Construcon Comércio e Construção Ltda, contrato que é questionado pelo Ministério Público. O ex-promotor de Ipu, Kennedy Carvalho, denuncia que a empresa é fantasma e a licitação foi direcionada. Segundo ele, a construtora teria sido constituída poucos dias antes da licitação, não tem sede, os sócios são semianalfabetos e nem sequer se conhecem. Além disso, a empresa teria declarado ter R$ 340 mil reais como capital sólido, quando possuía apenas R$ 20 mil.“A empresa majorou seu capital para participar do certame”, aponta. A liberação dos recursos para a construção 2.108 banheiros ocorreu em 2009 e, conforme o promotor, deu-se em tempo recorde. Ontem – mais de dois anos depois –, a realidade constatada pelo O POVO aponta que a verba ainda não foi aplicada por completo nos kits sanitários. Na casa de alguns, banheiros erguidos e cidadãos satisfeitos. Outros, porém, revoltam-se por terem recebido apenas parcialmente o material necessário. Aos 72 anos de idade, rodeada de filhas e netas, Maria Rosa Soares recebeu tijolos e cimento da Prefeitura e chegou a pagar R$ 100 a um pedreiro para começar a erguer o banheiro. Isso no ano passado, antes das eleições. Mais de um ano depois, a humilde obra em seu quintal está parada porque o resto do material não chegou. Para o prefeito Sávio Pontes (PMDB), isso é normal, já que os dois convênios só encerram em novembro. “É possível que esteja faltando detalhes em alguns kits, mas nós ainda temos quatro meses pela frente”, disse. Ele chegou a informar que todos os kits sanitários previstos já foram entregues, o que torna sem explicação o caso da dona de casa Gleiciane Soares, 20 anos, que diz ter sido cadastrada para ser beneficiada com o projeto mas até agora não recebeu nada do material. Gleiciane e Maria são da localidade Olho D’água dos Fagundes. Distante dali, no Bairro dos Pereiras, o agricultor Marcos Antônio Ferreira do Nascimento, 37, também vive sem banheiro. Em seu quintal, as paredes levantadas por ele mesmo, com tijolos e cimentos enviados pela Prefeitura, servem de depósito para o sanitário, recebido, mas nunca usado por falta de outros materiais. “Não recebemos as manilhas, nem a caixa d’água”. Segundo Sávio Pontes, nas localidades de Extensão, Pedrinhas e Mina seria possível constatar que os banheiros estão sendo construídos. A reportagem visitou ontem a primeira comunidade indicada pelo prefeito e encontrou banheiros já erguidos. A aposentada Cícera Farias de Sousa, por exemplo, relatou ter recebido o kit sanitário já este ano. Segundo ela, o kit foi entregue completo e não foi preciso comprar outros itens. No total, os dois convênios, firmados em janeiro de 2009, somam R$ 3,1 milhões. Em maio do mesmo ano, quase a totalidade desse dinheiro – 2,9 milhões – já estava na conta da Prefeitura. Segundo o prefeito, chuva deste ano atrapalhou os trabalhos. Além disso, segundo Sávio, tinha gente que recebia o kit e vendia. CONVÊNIOS MILIONÁRIOS - A Secretaria das Cidades assinou dois convênios milionários com a Prefeitura de Ipu no dia 15 de janeiro de 2009 para a construção de kits sanitários. Juntos, eles somam R$ 3,162 milhões. Um deles, no valor de R$ 1,5 milhão, dos quais R$ 1,41 milhão já foram pagos até maio de 2009, em duas parcelas. O montante custearia a construção de mil banheiros. O convênio consta como adimplente no Portal da Transparência do Governo do Estado e tem como prazo novembro de 2011, depois de três prorrogações. Outro convênio, assinado no mesmo dia, prevê a construção de 1.108 kits sanitários. O valor total chega a R$ 1,662 milhão, dos quais a Secretaria das Cidades já repassou R$ 1.562.280, pago em duas parcelas. O prazo já foi prorrogado quatro vezes. Agora, se encerra no dia 15 de novembro de 2011, mesmo prazo do outro contrato. As informações também são do Portal da Transparência. De acordo com o promotor Kennedy Carvalho, que participou das investigações, o caso de Ipu é complexo, pois envolve R$ 3 milhões, empresa fantasma e licitação fraudulenta. “A licitação foi direcionada para uma empresa. Existem vários indícios. A empresa foi constituída poucos dias antes de haver a licitação, de forma atípica. Não tem nem sede. Os sócios são semianalfabetos e nem se conhecem”, disse o promotor, reforçando que o TCM atuou no caso.